Konrad Felipe/Jornalista – [email protected]
A América Latina dormiu e acordou mais silenciosa. Nesta terça-feira (13/5), partiu José “Pepe” Mujica, ex-presidente do Uruguai, aos 89 anos, vítima de um câncer no esôfago que se espalhou para outros órgãos. Com ele, não se vai apenas um estadista — vai-se um símbolo. Um exemplo de coerência entre discurso e prática. Um homem que ensinou que é possível fazer política com ética, coragem e, sobretudo, com amor ao próximo.
Foi em Pequim que o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva recebeu a notícia da morte do amigo. Em suas palavras de despedida, ditas com a voz embargada pela emoção, Lula definiu Mujica com precisão: “Sua grandeza humana ultraou as fronteiras do Uruguai e de seu mandato presidencial”. O petista destacou a doçura que acompanhava sua firmeza, a humildade que enobrecia sua sabedoria e o desapego que se tornou sua marca. Lula, que já anunciou que comparecerá ao velório em Montevidéu, condecorou Mujica com a Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul em 2024, a mais alta honraria brasileira concedida a estrangeiros.
Pepe Mujica foi o presidente mais pobre do mundo — não porque lhe faltasse algo, mas porque escolheu não se apegar a nada que fosse supérfluo. Recusou o palácio presidencial para continuar morando em sua chácara nos arredores da capital uruguaia. Dirigia um velho Fusca azul e doava a maior parte do seu salário. Em vez de ostentar poder, oferecia conselhos, abraços e esperanças.
Dos porões da ditadura ao topo da política com dignidade
Antes de ser presidente, Mujica foi preso, torturado e quase morto. Como militante do movimento Tupamaros, viveu a repressão da ditadura uruguaia na carne e na alma. ou quase 14 anos atrás das grades — muitos deles em confinamento solitário, onde chegou a delirar e conversar com formigas. Mas saiu de lá de cabeça erguida, dizendo que “a realidade é teimosa” e que “os anos de solidão foram os que mais ensinaram”.
Quando chegou à presidência, entre 2010 e 2015, promoveu reformas corajosas: legalizou a maconha, defendeu os direitos das minorias, investiu em justiça social e combateu as desigualdades com firmeza e simplicidade. Nunca se rendeu ao populismo barato nem ao espetáculo midiático. Governou com ética, e isso bastava.
Legado que ressoa por toda a América Latina
Pepe Mujica foi mais que um político. Foi um filósofo popular. Um mestre da simplicidade e da coerência. Seu exemplo atravessou fronteiras e conquistou o respeito de líderes de esquerda e de direita ao redor do mundo. Evo Morales, Rafael Correa, Alberto Fernández, Claudia Sheinbaum, Gustavo Petro, Pedro Sánchez, Gabriel Boric e tantos outros manifestaram pesar por sua partida, lembrando-o como um “farol de esperança” e um “exemplo de política vivida com o coração”.
No Brasil, além de Lula, inúmeros movimentos sociais e militantes lamentaram sua perda. Em 2023, foi justamente Mujica quem Lula procurou para ajudar a mediar a relação tensa com o então recém-eleito presidente argentino Javier Milei — um gesto que mostra o respeito diplomático e moral que Pepe impunha mesmo já aposentado da política.
Uma vida que não se despede
Pepe costumava dizer que sairia da política “com os pés na frente”. E assim o fez. De forma serena, lúcida e digna, como sempre viveu. Em janeiro deste ano, ao anunciar que não seguiria com o tratamento contra o câncer, não pediu piedade, mas sim compreensão. Disse que sua missão estava cumprida. E estava mesmo.
Lucía Topolansky, sua companheira de vida e de luta, permanece com o legado de um homem que provou que é possível mudar o mundo sem deixar de ser gente. Mujica não teve filhos, mas deixou milhões de órfãos espalhados pelo continente — órfãos de sua ética, de sua voz pausada, de sua sabedoria risonha, de sua indignação justa.
Pepe, o eterno
José Mujica deixa o cenário político, mas sua alma habita o coração da América Latina. Sua figura seguirá presente nas rodas de mate, nas conversas sobre justiça, nas trincheiras dos que lutam por dignidade. Pepe não morreu. Apenas partiu para onde os homens justos descansam — e de lá, certamente, continuará nos lembrando de que “quem não é capaz de lutar por outros, não é digno de viver”.
Vá em paz, Pepe. A Pátria Grande agradece.
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